08 agosto 2014

MEDITAÇÕES NO BONDE


Meditações no bonde

“Oh! se todos ficássemos calados! Que imensidade de belas e grandes ideias! Que saraus excelentes! Que sessões de Câmara! Que magníficas viagens de bonde!”. Ah, a arte de saber ficar calado. Procura-se quem a domine, pois em tempos de comunicação veloz e à vontade, todo mundo, de repente, tem algo a dizer, mesmo que não se tenha certeza de nada. Aliás, gente falando sem certeza é o que mais existe. Claro que falar é importante, uma das coisas que levaram o homem a evoluir foi a comunicação, a prensa - e depois a imprensa, os livros etc. Mas aí já estou entrando na parte escrita. E escrever, disso muita gente tem preguiça. Mas para falar, todo mundo tem disposição.
E geralmente é para falar mal. De alguém no trabalho que é um mala e que sempre vem com as mesmas piadinhas, de um ex-colega de escola que não vemos desde o colegial e que vimos ontem - nossa, como está gordo! -, da senhorinha que mora logo ali e que é uma carola mal humorada, da sua amiga que vive chorando por que “não tem homem decente na praça”, mas ela mesma não se dá o valor... A gente sempre tem alguém para ser alvo de nossas palavras maliciosas. E quer falar.
Quando disse que falta gente que saiba dominar a arte de ficar calado, não exagerei em comparar a mudez com arte. É preciso disciplina, vigilância constante, força de vontade e uma pitada bem generosa de bom senso. E acreditem: ao ficarmos calados, ao segurarmos nosso impulso em querer falar demais, a gente pode até se divertir. No meu caso, conto com a bênção de poder transformar certas cenas e personagens em textos. Mas quando ficamos calados, só observando, temos a chance de estudar esse bicho interessante que é o ser humano.
Em Meditações no bonde, Machado de Assis descreve como as observações nos fazem viajar - sem fazer trocadilhos com a viagem de bonde! Ele conta que quando não tinha muito o que fazer (o que é difícil de crer), ele matava o tempo andando de bonde. Ia olhando o caminho, as casas, os bairros excêntricos, “um homem, uma tabuleta”, os carroceiros e seus animais, qualquer coisa o entretinha e o fazia ruminar. Aliás essa expressão - ruminar - aprendi com ele e nunca mais deixei de usar. Ela é perfeita para descrever esses momentos de observação, de pensar, de filosofar, de contemplar e de tornar a pensar sobre cenas e pessoas que vemos passar - não pelo bonde, mas hoje, pela janela do carro ou do ônibus ou durante uma caminhada, ou sentado à espera na sala do médico, na fila do supermercado, enfim. Temos várias chances ao dia para simplesmente ficarmos calados. Mesmo numa rodinha de amigos, quando todo mundo fala, gesticula, dá risada, dramatiza, essa é uma boa hora para calar-se.
Calar-se e ruminar não significa que temos que ser fechados, carrancudos, censores - embora a maioria confunda as situações. Para gente mais tímida (e sensata), a mudez e o ato de ruminar são como capas protetoras. “Ninguém sabe o que sou quando rumino. Posso dizer, sem medo de errar, que rumino muito melhor do que falo. A palestra é uma espécie de peneira, por onde a ideia sai com dificuldade, creio que mais fina, mas muito menos sincera. Ruminando, a ideia fica íntegra e livre. Sou mais profundo ruminando; e mais elevado também”. Palavras de Machado de Assis. Depois disso, acho que maiores explicações se tornam desnecessárias.
Se as pessoas que “falam demais por não ter nada a dizer” soubessem o valor que tem o silêncio, muitas das chatices do mundo seriam eliminadas; gente muito boca-aberta me cansa, gente que adora falar de si mesma (eu sou, eu faço, eu vou, eu fui, eu, eu, eu - quanto mais a pessoa tagarela sobre si, menos interessante ela se torna), gente que adora falar só dos outros, gente que pensa que sabe o que está falando... Está certo que somos seres muito novos ainda e não temos certeza de muita coisa, mas se tem algo que é certo e infalível é isto: o silêncio, às vezes, pode ser o melhor argumento. 

“Pois o silêncio não tem fisionomia, mas as palavras muitas faces” - Joaquim Maria Machado de Assis (1839 - 1908)

19 de julho de 2014

Veridiana Sganzela Santos, jornalista, estudante de Letras e membro da Apeg (Associação de Poetas e Escritores de Garça)

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