16 abril 2015

INDICAÇÃO DE LEITURA- RACHEL DE QUEIROZ



Fala-se muito na crueldade e na bruteza do homem medievo. Mas o homem moderno será melhor? - Rachel de Queiroz (1910 - 2003)

“Quem ama o feio, bonito lhe parece”, “A beleza está nos olhos de quem vê”, “A beleza é relativa”. Existem milhares de frases para justificar a feiúra. Está certo que gosto é gosto, o que é bonito pra mim pode não ser assim tão bonito pra outra pessoa, mas por outro lado sempre desconfiei dessas frases de consolo. Afinal a gente vive num mundo e numa época em que beleza é a primeira coisa que se leva em conta quando conhecemos alguém. Já está mais do que provado que os bonitos ganham salários mais altos do que os feinhos - desempenhando a mesma função. Os bonitos passam na frente em vagas de emprego e nunca são discriminados.

Sei que tem gente que vai chiar por isso, mas sempre achei muito injusto esse lance de miss. Miss dos Estados, Miss Brasil, Miss Universo, Miss Mundo. Sinto que é uma maneira de esfregar na cara das mulheres comuns, pobres trabalhadoras e mortais, que somente a beleza merece ser premiada, aplaudida, admirada. Aquele questionário que elas respondem do tipo “qual seu livro favorito” ou “qual seu sonho”, é uma prova de que a beleza compensa qualquer baboseira. Nenhum canal aberto ou fechado faz uma transmissão da entrega de um Prêmio Nobel, por exemplo, onde mulheres não tão lindas recebem reconhecimento por sua inteligência e esforço para criar um mundo melhor. Médicas, cientistas, escritoras, ativistas. Coitadas, se não forem estonteantemente lindas, não têm importância.

Mas para mim o que não tem importância é a opinião de quem crê em concursos deste tipo. Rachel de Queiroz, autora deste continho foi, além de escritora, jornalista, tradutora e dramaturga; foi a primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras e ainda assim deu a entender numa das linhas desta história, que se achava feiosinha. Boba... Foi uma moça linda. E mesmo que não tivesse sido, a contribuição que ela deu à nossa literatura já faz dela uma bela mulher.

E ela fala desses pesos e medidas diferentes entre bonitos e feios. Um casal de bonitos e um casal de feios - como deve ser naturalmente, vivendo no sertão, um dia percebem que as coisas podiam ser invertidas. A feia começa a gostar do bonito e o bonito a gostar da feia, pois a feia para compensar sua “condição”, era amável e tudo fazia para agradar. A bonita, por não precisar se esforçar para ter as coisas, não dava valor aos sentimentos. O feio sobrou, era bom, era dedicado, mas encheu-se de raiva por ter sido passado para trás. Os dois eram vaqueiros e trabalhavam juntos, e o feio bolou mil modos de dar cabo do bonito. O feio era astuto, o bonito era covardão (ficou com medo da desconfiança do outro), mas não era bobo e percebeu que estava na mira do feio.

Ao final a situação muda e só o bonito acaba voltando vivo para casa (para descobrir como, só lendo o conto). Mas a autora termina com uma frase intrigante: “E a moral da história? A moral pode ser o velho ditado: faz o feio para o bonito comer. Ou então compõe-se um ditado novo: entre o feio e o bonito, agarre-se ao bonito. Deus traz os bonitos de baixo de sua mão”. Se assim for, se os bonitos estão sob as mãos de Deus, espero que nós, os comuns, feinhos e “normais” estejamos compensatoriamente, em seu colo.


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Este texto acima é mais uma colaboração de Veridiana Sganzela Santos, jornalista que escreve no jornal Comarca de Garça. Veridiana tem por hábito ler, ler , ler e ler muito. Seus textos deixam claro sua perspicácia na apreciação dos mais variados autores e obras, despertando o nosso interesse para essas leituras. 
Fica aqui, mais uma dica para a sua leitura. Desta vez, Rachel de Queiroz é a indicada. Vale a pena!