Humildade
(pelos
125 anos de nascimento de Cora Coralina)
Acho
que já devo ter mencionado algumas vezes aqui, que sinto inveja de alguns
escritores, pela sua liberdade de falar o que pensam, sem muitos pudores,
arcando com as consequências com elegância e bom humor. Invejo Drummond,
Machado, Millôr, Mário Prata, Quintana, Mark Twain, e mais recentemente passei
a invejar Cora Coralina. Invejar e ao mesmo tempo nutrir uma certa esperança
quanto à minha existência (literária ou não). Acho que os escritores - amadores
ou profissionais - de hoje, preocupam-se em ascender rápido, serem best-sellers
antes dos 40 anos. Por que a pressa, se a sabedoria só vem mesmo com o tempo?
E Cora
Coralina é uma prova disso, tendo publicado seu primeiro livro, quando já tinha
seus 76 outonos. Levou a vida de modo agreste, mas doce ao mesmo tempo. É a tal
sabedoria que tanto invejo. Muitos de nós estudamos em boas universidades,
frequentamos aulas de inglês, sabemos lidar com informática, viajamos, mas o
saber da vida mesmo, esse não vem junto com todos os outros bens.
Imaginem
uma mulher simples, que viveu distante das grandes cidades, doceira, ignorante
sobre as modernidades e as regras gramaticais. Mas ela via beleza na modéstia,
nas pedras das antigas ruelas de Goiás, na batalha pela vida depois que
enviuvou e migrou de cidade em cidade, no interior paulista: Penápolis,
Andradina, Garça... E foi transformando-se e perdendo cada vez mais o medo da
vida. Essa mesma mulher simplória, que passaria despercebida pela gente na rua,
é uma poetisa única que deixou lições de vida, como a humildade. Bem, o
exercício da humildade é algo meio sacrificante, em tempos em que nomes,
títulos, cargos e fama (instantânea) são a ordem do dia. Mas ela garante que
essa era a fórmula do bem viver. Escolhi o poema Humildade para (tentar)
resumir essa bênção em nossa literatura.
"Senhor, fazei com que eu aceite minha
pobreza tal como sempre foi / Que não sinta o que não tenho / Não lamente o que
podia ter e se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. / Dai, Senhor,
que minha humildade seja como a chuva desejada caindo mansa, longa noite escura
numa terra sedenta e num telhado velho. / Que eu possa agradecer a Vós, minha
cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas.
/ E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa, e acender, eu
mesma, o fogo alegre da minha casa na manhã de um novo dia que começa."
Essa
espécie de oração, quase franciscana, é praticamente um tapa na cara de todos
nós, modernos, vaidosos e com medo de envelhecer. Quando na verdade, o medo que
devemos ter é o de permanecermos para sempre jovens. Por que a juventude é como
um belo doce de vitrine: atraente, mas quase sem gosto, aquele gostinho que
desperta sensações. Que o diga a doce Cora.
"Procuro
semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com
esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me
esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende" - Ana
Lins dos Guimarães Peixoto Bretas / Cora Coralina (1889 – 1985)
21 de agosto de 2014
Veridiana Sganzela
Santos, jornalista, estudante de Letras e membro da Apeg (Associação de Poetas
e Escritores de Garça)
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