19 setembro 2014



                 Mais uma vez, hoje  vamos transcrever um texto de nossa colaboradora Veridiana Sganzela Santos, jornalista que escreve todas as semanas um artigo no jornal Comarca de Garça. Ela nos instiga a procurar ler os livros comentados. E como ler é um prazer, ela nos deixa curiosos e tentados a usufruir as leituras indicadas. 

                   

Indicação de Leitura - Veridiana Sganzela Santos - O peru de Natal

18/09/2014
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“Não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição”. Mário Raul de Morais Andrade (1893 - 1945)



Ainda estamos em setembro, mas em alguns cantos já se ouve falar em Natal. “Faltam 100 dias para o Natal!”, comemoram os facebookianos. E isso já começa a me chatear. Não pela data em si, pela lembrança essencial do que se festeja - pelo amor de Deus! Me chateia essa antecipação pela comilança, pela bebelança, pelos presentes, por toda aquela agitação que para mim já perdeu seu encanto. Admito que ando meio seca em relação a alguns festejos, e isso me remeteu a este conto de Mário de Andrade.

Ali temos um rapaz com sua família, que depois de cinco meses da morte de seu pai, vai celebrar o Natal. E ele quer que este Natal seja diferente. Seu pai, apesar de homem bom, honesto, mantenedor da paz dentro de casa, era seco, “cinzento”. E todos os Natais em sua companhia eram igualmente acinzentados. A família, burguesa modesta, era privada de alguns pequenos regalos da vida, não por miséria, mas por achar que não era digna deles: “um bom vinho, uma estação de águas, uma geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro sangue dos desmancha-prazeres”, define.

Assim, o jovem anunciou sua “loucura” de Natal: naquele ano, queria comer peru. E tomar cerveja. Sim, loucura, pois com o pai, todos assistiam à Missa do Galo, fartavam-se de castanhas, figos e passas (tudo seco, como ele) e iam se deitar. A mãe, a tia e a irmã, se entreolharam com ares de “será que devemos?”, pois ainda estavam em luto, mas se renderam a essa loucura do filho. Ele queria que elas, desta vez, celebrassem com dignidade e alegria a vinda de Jesus e uma espécie de “libertação”. Elas mereciam. E nada de chamar parentes! Essa loucura de Natal era só para eles. O peru - o único morto a ser celebrado, ao invés da figura do pai, virou o elo feliz que unia todos ali. E, pela primeira eles vez tiveram um Natal feliz, não pela comida literalmente, mas pela “ousadia” de saírem da sombra do patriarca, de se permitirem extravasar. O momento de união foi usado para perdoar a secura do pai e elogiar a vida dura que ele levou para manter a família.

Agora, na vida real, sigo o caminho inverso. Tive Natais ótimos, deliciosos, alegres. Natais que são o sonho de toda criança. Só que com uns anos a mais e familiares a menos, o encanto se quebra. É óbvio que a razão de tudo, o nascimento de Jesus (que nem nasceu em dezembro) é o centro de tudo. E isso permanece vivo. O que me irrita é esse faniquito que já em setembro deixa todo mundo meio bobo. Então, acho que faço mais o gênero do pai do narrador do conto. Para receber Jesus, nada de firulas, nada de exageros, montanhas de comidas ou papéis de presente soltos pela casa. Afinal, Jesus nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre. Qual a melhor maneira de homenageá-lo, senão sendo um pouco mais como ele e um pouco menos como nós mesmos?


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