25 setembro 2014

INDICAÇÃO DE LEITURA


               Colaboração de Veridiana Sganzela Santos , jornalista que escreve para o jornal Comarca de Garça, toda quinta-feira, comentários sobre alguma obra literária. Desta vez, ela comentou sobre um livro de Clarice Lispector.

Indicação de Leitura - Veridiana Sganzela Santos - O grande passeio

25/09/2014

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento” - Haya Pinkhasovna Lispector (1920 - 1977)



Solidariedade e egoísmo. Respeito e pouco caso. Amor e indiferença. Antagonismos tão presentes na raça humana e que a Literatura sempre faz questão de “dedar” quando o sentimento errado se manifesta na hora errada, mostrando o quanto ainda temos que nos depurar.

Acho que nunca em outros tempos se exigiu tanto o respeito pelos outros: crianças, mulheres, retirantes, negros, deficientes, homossexuais, idosos - sempre alvos de preconceito e maus tratos. E o curioso é que temos que exigir o respeito - raramente ele vem de graça. Custa tanto assim respeitar alguém que não é exatamente igual a nós? Quando criança, era comum os pequenos até apanharem dos adultos caso faltassem com respeito com os mais velhos. No Japão há até o Dia do Idoso, quando o país interrompe tudo só para reverenciar seus ancestrais. Vivemos dizendo que os mais velhos são símbolo de sabedoria e experiência, mas na prática não levamos isso muito a sério.

Neste conto, Clarice Lispector conta sobre uma senhorinha “sequinha”, sozinha no mundo, nascida no Maranhão; foi perdendo a família aos poucos, uma “boa senhora” prometeu interná-la num asilo do Rio de Janeiro, mas mudou de planos e deixou a velha ao Deus-dará com um pouco de dinheiro. A senhorinha, Mocinha (de nome real, Margarida), acabou indo parar numa casa de família, onde às vezes riam dela, do seu jeito “bicho do mato”, mas sempre a deixavam de lado, ignorando-a a maior parte do tempo. Achavam estranho seu hábito de passear pela casa. Um dia se encheram e a mandaram para um parente em Petrópolis. O filho da família levou a velhinha de carro, e ela, inocente (como um cãozinho cujos donos prometem passeio mas o levam ao veterinário), foi admirando tudo, gostando muito do trajeto, sem imaginar que novamente estava sendo descartada. O rapaz não teve nem a delicadeza de descer com ela. Despachou a velhinha e foi embora. Lá, uma “alemoa” a recebeu com frieza. Enquanto ela e o filho se regalavam com comida, a velhinha pedia um golinho de café com os olhos, só um cafezinho. Nem isso lhe deram, apesar de sua visível fraqueza. Ao invés de disso, o dono da casa disse irritado que ali não era asilo. Deu-lhe um pouco de dinheiro e mandou-a pegar um trem de volta pro Rio.

A velhinha só teve forças para dizer “Obrigada. Deus lhe ajude” e saiu pela estrada. Não foi até a estação. Queria passear antes, pela bela estrada de Petrópolis. O sol forte batendo nos seixos brancos lhe machucavam os olhos e ela “via” seu passado como um filme. Tomou um pouco de água fresca numa fonte, sentou-se numa pedra em baixo de uma árvore, e despedindo-se do passeio, encostou a cabeça no tronco e morreu. Uma situação que até parece meio romântica pelas letras de Clarice, é uma constante por todo esse país. Quantas e quantas Mocinhas há espalhadas por aí, sendo tratadas como estorvos e morrendo sozinhas?

Creio que o morrer, para Mocinha, tenha sido seu verdadeiro grande passeio, ao livrar-se da indiferença dos outros. Indiferença que, em tempos de eleição como este, transforma-se em bondade, preocupação e bandeiras de campanha. Que país de mentirosos. Às vezes invejo muito a ignorância destas Mocinhas...

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