23 novembro 2014

A LUNETA MÁGICA



A luneta mágica

Não deixe se levar pelas aparências. Quantas vezes já ouvimos esse conselho, e quantas vezes vimos gente julgando os outros pela casca? Pesquisas dizem que é fato: várias empresas contratam funcionários pela beleza e os bonitos têm salários mais altos. E muitas vezes o talento deixa a desejar.
Aquela frase de Vinícius de Moraes que diz “as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental” sempre me irritou. Claro que sei apreciar a beleza. A beleza de um animal, de uma flor, de um quadro, de uma paisagem, de uma construção. Mas preterir pessoas a outras só pela beleza me soa um tanto injusto. Sempre brinquei dizendo que prefiro ser feinha mesmo, mas ser inteligente, pois a beleza se vai com o tempo, mas o conhecimento ninguém me tira. A, um dia, lindíssima Brigitte Bardot, hoje defensora da causa dos animais diz algo parecido: “Eu dei minha beleza e minha juventude aos homens. Agora dou minha sabedoria e minha experiência aos animais”. E no fim, é isso o que nos resta.
O julgamento do caráter ou do valor das pessoas baseado somente no exterior é uma prova de imaturidade do ser humano. Mas e se tivéssemos a chance de conhecer o íntimo dos outros só de olhar? Em A luneta mágica (história gentilmente recomendada pelo amigo Benevides Cavalcante), Simplício sofria de miopia – física e moral. A duas polegadas não sabia diferenciar uma violeta de um girassol. E era muito ingênuo e manipulável. Ele vivia com o irmão Américo, que tomava conta de seu dinheiro, a tia carola Domingas e a prima Anica. Cansado da miopia, ele, por intermédio de um amigo, conhece um misterioso armênio, que, através de um ritual, lhe confecciona uma lente especial: se fixada numa pessoa ou coisa por mais de 3 minutos, Simplício teria a visão do mal (maldição da salamandra presa no vidro). Se ficasse 13 minutos, teria a visão do futuro. O armênio recomenda que ele não faça isso. Mas o míope, curioso, desobedece. Então vê na prima uma moça fria e interesseira; no irmão um ambicioso enganador, e na tia uma hipócrita invejosa e sovina. Até no sol ele vê desgraça, até nos beija-flores do jardim ele enxerga maldade. Horrorizado e paranóico, quebra a lente. Mas o armênio lhe faz outra, com a qual ele teria a visão do bem.
Vendo somente a bondade nas pessoas, ele é feito de bobo por todos. Esmeralda, uma prostituta que ele vê como uma coitada, lhe pede presentes. Os conhecidos vêm pedir dinheiro fingindo dificuldades e riem pelas suas costas. Simplício se apaixona por todas as moças, pois todas lhe parecem virtuosas. Um dia, olha um cortejo, e vê também na morte um lado muito bom. E deseja morrer. Quando ia se jogar de um precipício, o armênio lhe salva e lhe dá uma luneta. A luneta do bom senso.
Ele nada revela sobre suas visões. Mas agora se dizia feliz e nunca mais ia se separar desta luneta. O livro, publicado em 1869, é uma divertida crítica à sociedade brasileira do final do Segundo Império – quando títulos de nobreza, cargos, dinheiro e brasão já bastavam para definir o valor de alguém. Talvez, de algum lugar, Manuel Joaquim de Macedo olhe pra nós e note que esse hábito ainda existe no Brasil.
Só que ninguém precisa de uma lente especial para perceber que nem todos são maus ou bons ao extremo. Todos temos o bem e o mal dentro de nós – uns mais, outros menos... O que parece faltar mesmo é a luneta do bom senso. Ninguém precisa desnudar sua alma diante das pessoas, basta dar o melhor de si, mesmo míope. É o fazer o bem sem enxergar a quem.
“É imoral e deforme; porque é imoral e deforme toda a sociedade, toda a nação, todo o império que conserva e mantém em seu seio a escravidão” - Joaquim Manuel de Macedo (1820 – 1882)

Veridiana Sganzela Santos, jornalista, estudante de Letras e membro da Apeg (Associação de Poetas e Escritores de Garça)

5 de maio de 2013

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