14 outubro 2014

O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO-indicação de leitura


                                 VERIDIANA COLABORA COM O NOSSO BLOG:

                         O homem que espalhou o deserto

Não faz muito tempo, uma questão de semanas, minha mãe me pediu para que eu tirasse uma foto de duas plantas, não muito longe de casa. “Tire antes que alguém vá lá e corte”. Acho que a frase soaria exagerada para alguém de fora, mas para mim não soou estranho e sim quase profético.
É que já me habituei a ver gente tendo prazer em eliminar plantas e animais – o que é terrível, pois isso não deveria ser algo com que se deva habituar-se, mas nesse planetinha quase nada mais me impressiona.
O motivo da foto era o modo curioso, e até terno, de como as plantas nasceram. Um coqueiro e um chorão, grudados, num espaço mínimo numa calçada. Naquela circunstância, pareciam gêmeas. Ganharam até um poema.
E ainda bem que deu tempo, já que dias depois o chorão havia sumido. O coqueirinho ficou órfão de irmão. Alguém deve ter se incomodado com o atrevimento do chorão, que pendia um pouco para a rua, e que por tamanha afronta, mereceu virar um toquinho.
A rua “invadida” por suas ramas verdes não é nenhuma Avenida Paulista; tenho certeza que até aquele dia a planta não havia irritado ninguém e nem causado acidentes. Passo há tempos por ali e nunca soube de reclamação alguma. Os passarinhos que pousavam ali é que deviam se queixar do poleiro que perderam. Curioso é que só depois da publicação do poema que o chorão foi cortado.
Ainda pensando nisso, ontem descobri (e, novamente: não creio em coincidências) esse conto de Ignácio de Loyola Brandão, sobre um sujeito cujo sentido da vida era cortar plantas. Começou de menininho, desfolhando com sua tesourinha, as árvores do quintal. Mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros, jabuticabeiras: o menino não queria saber de escola, de amigos, de namoradas, de cinema. Só queria cortar as plantas. E tinha total apoio da mãe, que preferia vê-lo em casa do que por aí, andando com más companhias!
As árvores eram grandes e ele pequeno, então o trabalho não rendia muito. Mas conforme o menino foi crescendo as árvores começaram a ficar em desvantagem. As plantas de seu quintal já não bastavam. Saiu cortando as plantas do resto da cidade – e as pessoas até que gostavam, pois aproveitavam a lenha que ele deixava para trás.
Ele foi trocando as tesouras por machados, depois por tratores e depois por máquinas ainda maiores. Virou um grande empresário no ramo do desmatamento. Só sentia-se aliviado quando via a terra calcinada. Os pássaros já haviam sumido faz tempo, pois seus ninhos também eram destruídos. E o país virou um deserto. E depois, o que acontece?
O “depois” também dá para acompanhar na vida real. Eu acompanhei um caso muito parecido de perto, um caso de quintal devastado e de uma jabuticabeira (de valor sentimental incalculável) serrada sem razão.
Plantas, animais, poemas... Por que será que incomodam tanto? Eu disse que quase nada mais me impressiona, mas ainda fico tentando entender por que é que a essas alturas há quem sinta esse prazer sádico em sair tesourando plantas, chamando flores de lixo (sim, isso também já vi), chutando animais...
Não gostar disso ou daquilo é um direito de qualquer um, só que o mundo não precisa de quem o devaste. Espalhadores de desertos, guardem sua secura para si mesmos.

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Veridiana Sganzela Santos é jornalista e escreve suas crônicas no jornal Comarca de Garça, toda quinta-feira. É nossa colaboradora, dando suas indicações de leitura.
O hábito de ler é,comprovadamente, muito saudável! 

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