15 janeiro 2015

RUBEM BRAGA


                      RUBEM BRAGA



                  Hoje vamos postar mais uma contribuição de Veridiana Sganzela Santos, jornalista, articulista do Jornal Comarca de Garça, escritora e membro da Associação dos Poetas e Escritores de Garça - APEG. Ela nos leva a viajar em suas indicações de leitura. Vale a pena seguir os seus conselhos. Mais uma vez, Veridiana, os nossos agradecimentos.

                  

Indicação de Leitura (Veridiana Sganzela Santos)

15/01/2015

Meu ideal seria escrever... 

Meu ideal seria escrever uma história, que de tão boa, de tão sábia e de tão penetrante, fizesse com que as pessoas parassem para refletir no mal que fazem às outras, aos animais, ao meio ambiente, mesmo que sem querer. Uma história tão bem feita, que tocasse o íntimo de cada um e tivesse o poder de fazer uma faxina na gente; uma história tão marcante que desse a todos uma sensação boa de querer fazer o bem, de abrir mão das vaidades, de ser mais tolerantes e bem humorados.

Seria o ideal, mas não seria real. Por mais que a literatura seja fascinante, ela infelizmente ainda não tem o poder de fazer do ser humano algo melhor do que ele se mostra hoje. Nem o maior livro de todos os tempos - a Bíblia – alcançou essa meta... (e também porque esta modesta cronista não chegaria a tanto, nem com outras dez vidas mais).

Mas achei esse devaneio muito bonito, quando li este texto de Rubem Braga. Se estivesse vivo, nesta semana ele teria completado 102 anos. Quando ele fez Meu ideal seria escrever..., ele imaginou fazer uma história capaz de alegrar as pessoas de tal maneira, que elas se esquecessem dos aborrecimentos da vida e de seus próprios martírios cotidianos. Seria uma história tão especial, que até o velho mais sábio dos recônditos da China se perguntasse se não teria sido algum santo inspirado por um anjo, o autor. “Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse: ‘Ai meu Deus, que história mais engraçada!’. E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre”, imagina o autor.

Seria mesmo o sonho de qualquer escritor, do mais mediano ao mais erudito, que seus textos tivessem tal poder. Não aquele poder com o qual estamos acostumados, de força bruta, de imposição. Mas o poder que mexe com a gente de leve, que nos transforma de um modo gostoso, delicado e irremediavelmente para melhor. Braga ainda sonhava em levar risos e alegria a casais emburrados, às cadeias, aos hospitais, às salas de espera; que sua história fosse “tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura, que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria”.

Aí, lendo esse texto tão delicioso, fiquei com inveja de Rubem Braga, pois ele, ainda que não tivesse chegado a saber, me fez alegre com suas letras. Li vários textos dele nestes últimos dias, um mais colorido, gracioso e despretensioso que o outro. Fiquei com inveja, sim, pois tenho consciência que muitos de meus textos são para reclamar, para ironizar, para lamentar coisas. E lendo Braga, percebi que a Literatura tem lá seu poder: ainda que não transforme os corações definitivamente, ela nos dá momentos importantes, sejam de felicidade, sejam de pesar.

E já que os autores têm essa responsabilidade, então que usem seu espaço com sabedoria. Se reclamo tanto, é porque algo me incomoda. Violência contra os bichos, por exemplo. E sinto que preciso falar, sinto a necessidade de que minhas palavras atinjam as pessoas. Se ao menos uma delas captar meu sentimento, então valeu. Deve ser parecido com o desejo de Rubem Braga de levar risadas à moça triste e doente sobre a cama, na casa cinzenta. E não queremos fazer isso pela “fama”. Não. Os escritores mais sinceros querem fazê-lo só pelo gosto de escrever, pela empatia, pelo sonho bobo de ver o mundo se transmutando em um lugar melhor. Nem que este mundo seja só uma pessoa.
  

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