MAIS UM POUCO DE VERIDIANA
Ler o que Veridiana Sganzela Santos escreve, é sempre prazeroso. Ela nos leva a refletir a vida e as atitudes, anotar nomes de ótimos livros e escritores. Hoje ela nos brindou com Rachel de Queiroz, grande escritora brasileira.
“Doer,
dói sempre. Só não dói depois de morto. Porque a vida toda é um doer” – Rachel
de Queiroz (1910 – 2003)
Talvez o último desejo
Último desejo. Tão difícil escolher um. Primeiro porque essa ideia nos
Talvez o último desejo
Último desejo. Tão difícil escolher um. Primeiro porque essa ideia nos
remete à
gente que está à beira da morte, ou no momento de um fuzilamento.
Em qualquer
uma destas situações em que eu eventualmente me
metesse, levaria horas para
resolver. Queria ver os quadros de Botticelli, Rafael,
Da Vinci e Caravaggio
(ao vivo), queria caminhar pelas plantações de uva da
região da Toscana, queria
poder salvar o maior número de animais que eu
pudesse, queria ir à FLIP, queria
mostrar às pessoas que não precisamos comer
aquela vaquinha linda e nem o seu
lindo bebê, queria livrar as cidades das
pichações, queria que mais crianças
gostassem de ler, que mais adolescentes
usassem menos “eu te amo” com estranhos
e mais com os seus, que ninguém
apanhasse por crer ou não em Deus, queria que
houvesse máquinas do tempo
(só com a finalidade de passeio, não de alterar
nada), que mais gente trocasse
os motores pelos pedais, que os pássaros
desconhecessem as gaiolas, que as
baleias desconhecessem os arpões, que os
homens fossem menos revoltados e
mais resignados. Enfim, a gente quer
tanta coisa, que chega a dar raiva! E
acho que foi mais ou menos isso que
Rachel de Queiroz quis mostrar em seu
delicioso texto Talvez o último desejo.
Imagino que tenha sido isso. O leitor
pode comprovar.
É que certa vez lhe perguntaram qual era o seu maior desejo (isso em 1950).
É que certa vez lhe perguntaram qual era o seu maior desejo (isso em 1950).
Ela
naturalmente respondeu “muita paz, prosperidade pública e particular para
todos, saúde e dinheiro em casa”, como todos nós fazemos nos famigerados
votos
de fim de ano. Mas, disse ela, que na verdade, seu desejo era pegar o
planeta,
olhar bem nos olhos dele e dizer: dane-se! Dane-se ao mundo, aos países, às
cidades, ao seu homem, ao respeitável público, à pátria: “Que
Me senti exatamente – e novamente – como Rachel. Queria mandar o mundo às
favas,
mandar o Brasil se lixar, que continuem escolhendo seus presidentes em
troca de
esmolas, que continuem idolatrando celebridades ocas e
negligenciando seus
verdadeiros gênios; dane-se o mundo e que continuem
derrubando árvores,
esquentando e sujando o ar, acabando com os animais
, virando máquinas, matando
em nome de Deus – ou querendo ser Deus ao
mesmo tempo em que zombam Dele;
dane-se juventude que anda armada e
mata gente trabalhadora em troca de umas
pedrinhas desgraçadas, danem-se
as crianças que já fazem outras crianças,
danem-se os governantes
mentirosos
que um dia vão pra debaixo da terra também.
Mas não dá... O coração não
deixa a gente ser tão duro.
Sabemos que lá no íntimo, por mais que tenhamos raiva de algo ou alguém, lá
Sabemos que lá no íntimo, por mais que tenhamos raiva de algo ou alguém, lá
está o coração, esse chato, nos lembrando que não nos faz bem pensar assim
. Lá
está aquele intrometido nos lembrando que temos amor, piedade, caridade
e
empatia dentro dele. É só querer usar. E temos que “cuidar do mundo e
vigiar o
mundo”, como diz Rachel.
Então, se eu tivesse um último desejo, pediria que o cérebro e o coração
entrassem logo num acordo, porque não é prudente sermos moles o tempo
todo, mas
também nunca é bom sermos duros o tempo todo.
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