08 julho 2015

MAIS UM POUCO DE VERIDIANA



                                  
                              MAIS UM POUCO DE VERIDIANA

         Ler o que Veridiana Sganzela Santos escreve, é sempre prazeroso. Ela nos leva a refletir a vida e as atitudes, anotar nomes de ótimos livros e escritores. Hoje ela nos brindou com Rachel de Queiroz, grande escritora brasileira.
         

      
“Doer, dói sempre. Só não dói depois de morto. Porque a vida toda é um doer” – Rachel de Queiroz (1910 – 2003)



Talvez o último desejo

               Último desejo. Tão difícil escolher um. Primeiro porque essa ideia nos
 remete à gente que está à beira da morte, ou no momento de um fuzilamento. 
           Em qualquer uma destas situações em que eu eventualmente me 
metesse, levaria horas para resolver. Queria ver os quadros de Botticelli, Rafael,
 Da Vinci e Caravaggio (ao vivo), queria caminhar pelas plantações de uva da
 região da Toscana, queria poder salvar o maior número de animais que eu
 pudesse, queria ir à FLIP, queria mostrar às pessoas que não precisamos comer
 aquela vaquinha linda e nem o seu lindo bebê, queria livrar as cidades das
 pichações, queria que mais crianças gostassem de ler, que mais adolescentes
 usassem menos “eu te amo” com estranhos e mais com os seus, que ninguém
 apanhasse por crer ou não em Deus, queria que houvesse máquinas do tempo
 (só com a finalidade de passeio, não de alterar nada), que mais gente trocasse
 os motores pelos pedais, que os pássaros desconhecessem as gaiolas, que as
 baleias desconhecessem os arpões, que os homens fossem menos revoltados e 
mais resignados.  Enfim, a gente quer tanta coisa, que chega a dar raiva! E


 acho que foi mais ou menos isso que Rachel de Queiroz quis mostrar em seu
 delicioso texto Talvez o último desejo. Imagino que tenha sido isso. O leitor

 pode comprovar.

É que certa vez lhe perguntaram qual era o seu maior desejo (isso em 1950).

 Ela naturalmente respondeu “muita paz, prosperidade pública e particular para

 todos, saúde e dinheiro em casa”, como todos nós fazemos nos famigerados

 votos de fim de ano. Mas, disse ela, que na verdade, seu desejo era pegar o

 planeta, olhar bem nos olhos dele e dizer: dane-se! Dane-se ao mundo, aos países, às cidades, ao seu homem, ao respeitável público, à pátria: “Que


Me senti exatamente – e novamente – como Rachel. Queria mandar o mundo às 
favas, mandar o Brasil se lixar, que continuem escolhendo seus presidentes em

 troca de esmolas, que continuem idolatrando celebridades ocas e

 negligenciando seus verdadeiros gênios; dane-se o mundo e que continuem

 derrubando árvores, esquentando e sujando o ar, acabando com os animais

, virando máquinas, matando em nome de Deus – ou querendo ser Deus ao

 mesmo tempo em que zombam Dele; dane-se juventude que anda armada e

 mata gente trabalhadora em troca de umas pedrinhas desgraçadas, danem-se

 as crianças que já fazem outras crianças, danem-se os governantes
 mentirosos

que um dia vão pra debaixo da terra também. Mas não dá... O coração não

deixa a gente ser tão duro.

Sabemos que lá no íntimo, por mais que tenhamos raiva de algo ou alguém, lá

 está o coração, esse chato, nos lembrando que não nos faz bem pensar assim

. Lá está aquele intrometido nos lembrando que temos amor, piedade, caridade

 e empatia dentro dele. É só querer usar. E temos que “cuidar do mundo e

vigiar o mundo”, como diz Rachel.


Então, se eu tivesse um último desejo, pediria que o cérebro e o coração

entrassem logo num acordo, porque não é prudente sermos moles o tempo

 todo, mas também nunca é bom sermos duros o tempo todo.

        
    

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