15 maio 2015

INDICAÇÃO DE LEITURA



                                          INDICAÇÃO DE LEITURA

                Nesta vida, tudo tem uma história. Hoje temos mais uma excelente crônica da jornalista Veridiana Sganzela Santos. Há alguns anos ela escreve seus textos no Jornal Comarca de Garça, nos falando de suas leituras e autores prediletos. 

INDICAÇÃO DE LEITURA

15/05/2015 -

O nascimento da crônica

“Nossa, que calor”. “É mesmo”. Pronto. Basta uma conversinha fiada dessa para que nasça uma crônica. Sim, a crônica pode nascer, e nasce muitas vezes, da falta de assunto. A falta de assunto é um material muito gostoso de se trabalhar. A falta de assunto é cheia de liberdade. Que o digam Rubem Braga, Carlinhos Oliveira, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, grandes mestres em transformar o nada em tudo. Mário Prata também domina essa arte, declara abertamente em muitos de seus textos: “hoje não tenho assunto”, e pá! Manda-nos uma crônica genial. Rachel de Queiroz tinha que escrever também a partir do zero e ainda ouvir de seu editor: “Precisamos fechar essa edição, dona Rachel de Queiroz!”.

Ser cronista tem suas delícias, mas também suas agruras. O fechamento de uma edição é uma delas. De ambas. Mas graças à leitura destes autores maravilhosos, um dia eu aprendo. Ainda tenho um pouco de medo de lidar com a falta de assunto, mas não dizem que “do nada veio o caos”? Então.

E centenas de vezes tive essa sensação. Centenas mesmo, só neste espaço de página até agora lá se vão 207 desafios de tirar uma conversa do nada. Quase 4 anos tentando sentir o que sentia a dona Rachel de Queiroz. Uma parte devo às leituras e outra parte acho que devo ao meu anjo da guarda, que também deve adorar literatura, vai saber... E também sou muito grata a este jornal. Mais do que estes quase 4 anos, a Comarca de Garça vem acolhendo minhas crônicas desde 2006, e assim parabenizo o jornal não apenas pelo seu aniversário e por seus 80 anos de história, mas pela paciência e pela gentileza de receber minhas letras.

Muitos dos meus autores favoritos eram jornalistas e cronistas, como Machado de Assis. Deste modo, digamos que eu posso me sentir fazendo parte deste rol de privilegiados - o Machadão lá no Olimpo, e eu pagando-lhes os tributos, claro. Dizia ele que as crônicas vêm quando menos de espera, num papinho destes sobre o tempo e os fenômenos atmosféricos; que existem desde antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes de Noé. Não há como buscar na História o dia em que a crônica surgiu, mas talvez tenha aparecido numa conversa entre duas vizinhas, uma lastimando o calor e a outra contando sobre as ervas com que temperou o jantar.

Uma vez uns alunos do ensino médio me perguntaram “como vem a inspiração para escrever?”, “é muito difícil?”, “como trazer para a atualidade um texto mais antigo?”. São coisas da crônica. Disse-lhes que de todas as modalidades de literatura, a minha favorita sempre foi a bendita crônica, pela sua leveza e humor, a crônica permite tudo (sempre com uma pitada de bom senso); há que se ler bastante - livros, jornais, revistas, internet, quadrinhos (uma das melhores partes), até frasco de xampú! E há que se observar o mundo, as pessoas, os jeitos, as modas, as conversas, ouvir histórias, ouvir os mais velhos e os pequenos, ouvir até os bichos, as plantas, a água... Ou seja, basta estarmos abertos para um universo e a crônica vem. E que alegria imensa quando vem. Quem escreve, sabe.

Para quem lê, a crônica perde sua validade no momento em que se vira a página do jornal. Como diria um professor da faculdade: “no dia seguinte seu texto vai estar embrulhando peixe na feira”, talvez nos alertando para praticarmos o desapego. Não podemos criar laços com nossos textos. Depois de lidos, eles cumprem sua missão e morrem. Mas ainda assim, são gerados com carinho. Então, obrigada ao jornal Comarca pela chance de poder fazer nascer, viver e morrer estes meus pequenos filhotes.

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