INDICAÇÃO DE LEITURA -VERIDIANA SGANZELA SANTOS, nossa colaboradora. Mais uma vez ela nos traz uma sugestão de leitura, de uma forma tão envolvente que vale a pena seguir seu conselho.
Meu velho centro - Veridiana Sganzela
Santos
22/01/2015
“Cidade que não tem memória não é respeitada, não cria liga, não une os seus” – Heródoto Barbeiro (1946 - )
“Se eu pudesse escolher um tempo para ir, seria no Velho Oeste”. Meu irmão tem cada ideia, credo. Eu, apesar de amar o Renascimento, não iria para lá (a saúde era precária demais). Iria (ou voltaria) para a São Paulo dos anos 50/60. Sempre me senti confortável nesta época, mesmo sem ter vivido nela. Sempre que leio e vejo fotos de Sampa neste tempo, sinto uma espécie de aconchego, de familiaridade. E hoje, mesmo com todo o caos, violência e feiúras que a cidade tem, ainda assim digo que adoro São Paulo. Por isso, mais uma vez lembro de seu aniversário através de outro livro delicioso.
Meu velho centro, de Heródoto Barbeiro, foi seguramente uma das leituras mais prazerosas que tive. Desde a São Paulo fundada pelos jesuítas, passando pelo tempo de D. Pedro, pela cidade progressista do início do século XX, a São Paulo que brigou em 1932, depois assistiu aos discursos pelas Diretas, até a São Paulo da Cracolândia, a cidade já teve sua inocência e seu tempo de calmaria. O autor fala de seu tempo de criança pobre e espoleta, na Rua Nioac; das travessuras (e surras), das personagens anônimas do centro, senhoras fofoqueiras nas janelas, o footing, cadeiras na calçada em noites de calor, os televizinhos, os carnavais de rua e dos salões, a chegada dos imigrantes (houve um tempo em que havia 2 italianos para cada brasileiro), as missas rezadas em italiano e espanhol, o parque Shangai (o Playcenter da época), os cinemas chiques ou pulguentos, a zona do meretrício (que era bem mais comportada que hoje), o jornalzinho “subversivo” na escola, o surgimento dos cortiços, a morte do bonde, a derrubada de prédios históricos e casarões, a extinção de praças, o processo de “favelinização” vertical e a degradação do centro em nome de um progresso de gosto duvidoso: “A cidade hoje é alguma coisa como Chicago e Manchester, juntas”, já dizia o prefeito Washington Luis, em 1917.
Na medida em que ia lendo os lugares e endereços, ia cada vez mais me encontrando em São Paulo: Praça da República, Avenida Rangel Pestana, Santa Cecília, Liberdade, Baixada do Glicério, Viaduto do Chá; ruas Libero Badaró, Direita, da Glória, dos Estudantes, Galvão Bueno, Piratininga; Ladeira Porto Geral, Mosteiro de São Bento, Largo São Francisco, Theatro Municipal, Mercadão, Pinacoteca, Praça da Luz, Estação Júlio Prestes (e a bela Sala São Paulo), Chope Brahma, O Gato que ri, Ponto Chic, Anhangabaú, Parque Dom Pedro, Biblioteca Mário de Andrade, Largo do Arouche, Rua do Gasômetro, Igreja da Boa Morte (cujos sinos anunciaram em primeira mão a independência do Brasil), Rio Tamanduateí, Praça e Catedral da Sé (palco de comícios, greves e festas), o Pátio do Colégio (onde tudo começou, no ano do Senhor de 1554, com uma missa rezada por José de Anchieta numa casinha muito pobrezinha, no dia da conversão do santo Paulo), a capelinha dos Enforcados, edifícios do Banespa, Copan e Itália; Bom Retiro, Mooca e, é claro, o Brás (onde vivi por apenas 1 ano). Por alguns lugares eu passei, outros ainda estão só no imaginário. O casario antigo que sobrou no Brás, por exemplo, a maioria pichada e suja, conta muita história, mas a gente não ouve por causa do trânsito. A gente não reflete, por causa da pressa. Mas Sampa merece ser “degustada” com calma.
Por isso, assim como Heródoto, eu também convido a todos os paulistanos, paulistas, brasileiros e estrangeiros a conhecer melhor o centro de São Paulo. E quem tem medo da violência, saiba que no centro se morre mais de ataque cardíaco do que de bandidagem. Afinal, São Paulo é demais, para qualquer coração.
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