A luneta mágica
Não deixe se levar pelas aparências. Quantas vezes já ouvimos esse conselho, e quantas vezes vimos gente julgando os outros pela casca? Pesquisas dizem que é fato: várias empresas contratam funcionários pela beleza e os bonitos têm salários mais altos. E muitas vezes o talento deixa a desejar.
Aquela frase de
Vinícius de Moraes que diz “as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”
sempre me irritou. Claro que sei apreciar a beleza. A beleza de um animal, de
uma flor, de um quadro, de uma paisagem, de uma construção. Mas preterir
pessoas a outras só pela beleza me soa um tanto injusto. Sempre brinquei
dizendo que prefiro ser feinha mesmo, mas ser inteligente, pois a beleza se vai
com o tempo, mas o conhecimento ninguém me tira. A, um dia, lindíssima Brigitte
Bardot, hoje defensora da causa dos animais diz algo parecido: “Eu dei minha
beleza e minha juventude aos homens. Agora dou minha sabedoria e minha
experiência aos animais”. E no fim, é isso o que nos resta.
O julgamento do
caráter ou do valor das pessoas baseado somente no exterior é uma prova de
imaturidade do ser humano. Mas e se tivéssemos a chance de conhecer o íntimo
dos outros só de olhar? Em A luneta mágica (história gentilmente recomendada
pelo amigo Benevides Cavalcante), Simplício sofria de miopia – física e moral.
A duas polegadas não sabia diferenciar uma violeta de um girassol. E era muito
ingênuo e manipulável. Ele vivia com o irmão Américo, que tomava conta de seu
dinheiro, a tia carola Domingas e a prima Anica. Cansado da miopia, ele, por
intermédio de um amigo, conhece um misterioso armênio, que, através de um
ritual, lhe confecciona uma lente especial: se fixada numa pessoa ou coisa por
mais de 3 minutos, Simplício teria a visão do mal (maldição da salamandra presa
no vidro). Se ficasse 13 minutos, teria a visão do futuro. O armênio recomenda
que ele não faça isso. Mas o míope, curioso, desobedece. Então vê na prima uma
moça fria e interesseira; no irmão um ambicioso enganador, e na tia uma
hipócrita invejosa e sovina. Até no sol ele vê desgraça, até nos beija-flores
do jardim ele enxerga maldade. Horrorizado e paranoico, quebra a lente. Mas o
armênio lhe faz outra, com a qual ele teria a visão do bem.
Vendo somente a bondade nas pessoas, ele é feito de bobo por todos. Esmeralda,
uma prostituta que ele vê como uma coitada, lhe pede presentes. Os conhecidos
vêm pedir dinheiro fingindo dificuldades e riem pelas suas costas. Simplício se
apaixona por todas as moças, pois todas lhe parecem virtuosas. Um dia, olha um
cortejo, e vê também na morte um lado muito bom. E deseja morrer. Quando ia se
jogar de um precipício, o armênio lhe salva e lhe dá uma luneta. A luneta do
bom senso.
Ele nada revela
sobre suas visões. Mas agora se dizia feliz e nunca mais ia se separar desta
luneta. O livro, publicado em 1869, é uma divertida crítica à sociedade
brasileira do final do Segundo Império – quando títulos de nobreza, cargos,
dinheiro e brasão já bastavam para definir o valor de alguém. Talvez, de algum
lugar, Manuel Joaquim de Macedo olhe pra nós e note que esse hábito ainda
existe no Brasil.
Só que ninguém
precisa de uma lente especial para perceber que nem todos são maus ou bons ao
extremo. Todos temos o bem e o mal dentro de nós – uns mais, outros menos... O
que parece faltar mesmo é a luneta do bom senso. Ninguém precisa desnudar sua
alma diante das pessoas, basta dar o melhor de si, mesmo míope. É o fazer o bem
sem enxergar a quem.
“É
imoral e deforme; porque é imoral e deforme toda a sociedade, toda a nação,
todo o império que conserva e mantém em seu seio a escravidão” - Joaquim Manuel
de Macedo (1820 – 1882)
Veridiana Sganzela Santos,
jornalista, estudante de Letras e membro da Apeg (Associação de Poetas e
Escritores de Garça)
5 de maio de 2013
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